Pais Autistas Existem e Merecem Ser Compreendidos

julho 21, 2025

No Mês dos Pais, neurologista destaca a paternidade neurodivergente e o diagnóstico tardio que transforma vidas

Desde há muito tempo, o autismo tem sido subdiagnosticado em adultos, especialmente nos homens que se tornaram pais. São pessoas que, mesmo convivendo com dificuldades de interação social, rotinas rígidas e interesses específicos, seguiram suas vidas, casaram-se, tiveram filhos e hoje buscam compreender por que carregam tanto sofrimento silencioso.

"No Mês dos Pais, o convite é para um olhar mais amplo e inclusivo sobre a paternidade. Afinal, nem todos os pais seguem os mesmos padrões de comportamento, expressão emocional ou comunicação", explica o Dr. Matheus Trilico, neurologista referência no diagnóstico e acompanhamento de adultos com autismo.

Dados emergentes indicam um crescimento significativo no diagnóstico tardio de TEA em adultos no Brasil. Esta tendência revela uma realidade que permanecia oculta: milhares de pais descobrindo, tardiamente, que estão no espectro autista.

O Despertar Através dos Filhos

Muitos desses homens só desconfiam da possibilidade de estarem no espectro após o diagnóstico de um filho. "É comum que, ao acompanharem a avaliação do filho, comecem a se identificar com os traços apresentados e iniciem uma jornada de autoconhecimento que, muitas vezes, traz alívio", explica Dr. Trilico.

Pesquisas sugerem que uma parcela significativa de pais diagnosticados com TEA na idade adulta relataram uma transformação profunda em sua compreensão sobre paternidade. "Finalmente entendi por que sempre me senti diferente, por que as interações sociais eram tão desafiadoras" – este é um relato comum entre esses pais.

Segundo Dr. Trilico, essa descoberta tardia é especialmente significativa. "Muitos homens recebem o diagnóstico de TEA apenas quando seus filhos são avaliados. É um momento de dupla transformação: compreender o filho e compreender a si mesmo. Imagine a revolução interna que isso representa", explica o médico.

Desafios Únicos da Paternidade Autista

O diagnóstico em adultos não é simples. Envolve escuta atenta, análise da história de vida, observação clínica e, sobretudo, empatia. E quando esse homem é pai, surgem novos desafios: a sobrecarga sensorial da rotina com crianças, as demandas emocionais intensas da paternidade, a culpa por não conseguir se comunicar da forma esperada, o medo de ser julgado ou de "falhar como pai".

"A alexitimia, dificuldade em identificar e expressar emoções, afeta uma parcela considerável dos adultos com TEA. Isso pode criar barreiras na comunicação emocional entre pai e filho, mas longe de ser uma limitação insuperável, representa apenas uma forma diferente de vivenciar a paternidade”, destaca Dr. Trilico.

Estudos científicos documentam que pais autistas frequentemente enfrentam dificuldades específicas: interpretação de sinais sociais sutis dos filhos, comunicação emocional complexa e situações sociais imprevisíveis. "Mas é fundamental compreender que essas dificuldades não diminuem o amor ou o comprometimento paterno. Pelo contrário, muitas vezes intensificam a busca por formas alternativas de conexão", enfatiza Dr. Trilico.

Forças Ocultas da Paternidade Neurodivergente

O que precisamos entender é que o pai autista não é menos afetivo ou menos presente. Ele sente profundamente, apenas expressa de outra forma. Quando há apoio, acolhimento e, principalmente, informação, esse pai floresce em sua melhor versão.

Pesquisas emergentes revelam características notáveis em pais com TEA. Estudos longitudinais indicam que filhos de pais autistas frequentemente apresentam desenvolvimento positivo em áreas como organização pessoal, cumprimento de rotinas e habilidades acadêmicas específicas.

"Pais autistas tendem a criar rotinas muito organizadas para seus filhos, estabelecem regras claras e são extremamente consistentes em suas abordagens educativas. A mente autista paterna oferece uma estrutura que muitas crianças, especialmente as neurodivergentes, encontram reconfortante e previsível. É como um porto seguro em meio ao caos do mundo”, observa Dr. Trilico.

A capacidade de foco intenso permite que dediquem atenção profunda aos interesses de seus filhos. "Pais autistas frequentemente se tornam especialistas nos temas que fascinam seus filhos, criando conexões profundas através de interesses compartilhados. Quantos pais se tornaram experts em dinossauros, trens ou astronomia só para se conectar com seus pequenos?", complementa Dr. Trilico com um sorriso.

Uma Linguagem Própria do Amor

Dr. Tony Attwood, renomado pesquisador australiano, documentou em seus estudos que pais autistas frequentemente desenvolvem sistemas únicos de comunicação com seus filhos. "Eles podem não expressar afeto da forma tradicional, mas criam linguagens próprias de carinho – seja através de atividades compartilhadas, interesses especiais ou formas não-verbais de demonstrar amor", detalha Dr. Trilico.

A honestidade direta, característica comum no TEA, resulta em comunicação clara e sem ambiguidades. "Crianças de pais autistas frequentemente relatam sentir-se seguras porque sabem exatamente o que esperar – não há mensagens confusas ou duplos sentidos. Existe uma transparência emocional que pode ser muito reconfortante", destaca Dr. Trilico.

O Papel da Família e Sociedade

Para Dr. Trilico, nesse contexto, o papel da família e da sociedade é fundamental: dar espaço para que esses homens sejam pais do seu jeito, respeitando suas necessidades e limites. A literatura científica indica que pais autistas que recebem orientação específica apresentam redução significativa no estresse parental e melhoria na qualidade da relação familiar.

"O suporte não deve focar em 'corrigir' o pai autista, mas em potencializar suas forças naturais e desenvolver estratégias para os desafios específicos. Grupos de apoio para pais neurodivergentes têm se mostrado especialmente eficazes. É emocionante ver como esses homens florescem quando encontram outros que compartilham experiências similares", enfatiza Dr. Trilico.

A clínica também tem um papel vital, oferecendo suporte emocional, orientação e, em muitos casos, terapias que ajudam a lidar com as dificuldades de comunicação e regulação emocional. "Estamos caminhando para uma era onde a neurodiversidade paterna será vista como uma variação natural e valiosa, não como uma deficiência a ser corrigida", projeta o neurologista.

Libertação Através do Autoconhecimento

Receber o diagnóstico pode ser profundamente libertador. "Muitos pais finalmente compreendem por que certas situações sociais ou emocionais da paternidade eram tão desafiadoras. Isso permite desenvolver estratégias mais eficazes e, principalmente, mais autênticas", explica Dr. Matheus.

Estudos qualitativos indicam que a maioria dos pais recém-diagnosticados relatam melhoria significativa na qualidade da relação com os filhos após o diagnóstico. "A autocompreensão permite que sejam pais mais autênticos e eficazes. É como se finalmente pudessem parar de fingir ser alguém que não são", destaca Dr. Trilico.

Celebrando a Diversidade Paterna

No Mês dos Pais, fica o convite à reflexão: nem todo pai vai dizer "eu te amo" do jeito esperado. Mas talvez ele diga construindo rotinas carinhosas, mantendo a ordem familiar, explicando o mundo com profundidade infinita ou fazendo o mesmo café especial todas as manhãs.

"Cada pai autista é único, assim como cada pai neurotípico. O que importa não é como o cérebro funciona, mas como o coração ama. A paternidade autista existe e merece ser compreendida, acolhida e celebrada. Esses pais não são menos pais – são pais de uma forma diferente, e isso é lindo”, conclui Dr. Trilico

Neste mês dos pais, a sociedade é convidada a ampliar sua compreensão sobre as múltiplas formas de ser pai, reconhecendo que o amor paterno se manifesta de maneiras diversas, todas igualmente válidas e preciosas. Porque no final das contas, ser pai é sobre amor, presença, cuidado e isso não tem apenas uma forma de existir.

 

Sobre o Dr. Matheus Trilico

Dr. Matheus Luis Castelan Trilico - CRM 35805PR, RQE 24818.

Médico pela Faculdade Estadual de Medicina de Marília (FAMEMA);
Neurologista com residência médica pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR);
Mestre em Medicina Interna e Ciências da Saúde pelo HC-UFPR
Pós-graduação em Transtorno do Espectro Autista
Mais artigos sobre TEA e TDAH em adultos podem ser vistos no portal do neurologista: https://blog.matheustriliconeurologia.com.br/

 

 

 



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