Entre luto,memória epertencimento:Tatiana Lazzarotto estreia com livro que atravessa a perda paterna

abril 05, 2022

Tatiana Lazzarotto estreia na Editora Claraboia. Crédito: Crédito: Cami Onuki

Obra premiada pelo ProAC/SP, “Quando as árvores morrem”, publicada pela Editora Claraboia, marca a estreia de Tatiana Lazzarotto na ficção; lançamento será realizado no dia 9 de abril, na Casa das Rosas


“Se a matéria da perda é dura, Tatiana nos oferece, como cúmplices, a possibilidade de entrar com ela nesse clã de mulheres que perderam o pai, mas conservaram o afeto, pela partilha de uma linguagem sensível e instigante. Uma narrativa que pulsa na fronteira entre a vida e a morte, entre ser filha e ser órfã, entre pertencer e estar desamparada, entre ser e ter sido, vivendo nos limites geográficos e poéticos borrados de uma prosa que é também lírica.”


 Pilar Bu, poeta e doutoranda em Teoria Literária pela Unicamp


“Quando leio Tatiana, me entrego obstinada a reinventar memórias, tenho a permissão de sentir a dor de um luto que não estanca – tipo árvore que permanece em pé, mas tem as raízes fracas, encharcadas por água. Quando leio Tatiana, me lembro: já não tenho pai, nunca desfaço a mala. Estou sempre pronta a partir.”


Gabriela Soutello, escritora e jornalista, que assina a orelha da obra



Quantas lembranças atravessam um corpo enlutado? O que fazer com o desejo de nossos mortos? Em sua estreia, Tatiana Lazzarotto nos apresenta, em prosa poética, o desenrolar de uma notícia de morte. É também uma história sobre um pai, uma filha e uma árvore. Um deles está morto. Os outros dois terão de sobreviver. 


O romance “Quando as árvores morrem” (Editora Claraboia, 164 p.) acompanha o desenrolar de uma notícia de morte e as memórias que atravessam o corpo de quem fica. A obra foi uma das vencedoras do edital ProAC de obras de ficção, promovido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. O lançamento acontece no dia 9 de abril, na Casa das Rosas, na capital paulista.


Na história, narrada em primeira pessoa, a protagonista perde o pai de forma repentina e retorna a Província – cidade fictícia –, para atender aos desejos deixados por ele: recuperar a casa da família e garantir que a velha árvore do quintal, já condenada, não seja derrubada.


Ao mesclar a experiência do luto com as memórias de infância, a narradora relembra a trajetória do pai, que deixou a profissão de comerciante quando ela e os irmãos eram crianças, para se transformar em Papai Noel profissional. O romance busca esmiuçar um personagem pouco visível na literatura, além de lançar um olhar sobre os milhares de homens que encarnam o personagem mítico no final do ano: de que maneira esses profissionais se relacionam na intimidade, com suas famílias? 


É a partir das memórias, suscitadas pela casa vazia e pelo próprio estar de abandono, que a narradora, já adulta, desconstrói o pai morto. “A autora nos prende nessa jornada em busca da permanência. ‘Quando as árvores morrem’ não é apenas um livro sobre luto, mas um desejo de memória potente”, afirma a poeta e doutoranda em Teoria Literária pela Unicamp, Pilar Bu. 


A cidade, que representa um vilarejo de fronteira no Sul do Brasil, e a casa da família tornam-se personagens da trama, assim como a árvore condenada. Para produzir o romance, a autora dedicou-se à pesquisa sobre o desenvolvimento e a inteligência das árvores, a fim de entender a dinâmica das florestas e como isso se mescla com o cotidiano de uma família. 

O livro também é uma experiência ficcional a partir de uma vivência de luto da escritora. Assim como a personagem, Tatiana perdeu o pai, falecido em 2018, que durante sua trajetória quebrou recordes nacionais como Papai Noel. “Se a matéria da perda é dura, o livro nos faz entrar nesse clã de mulheres que perderam o pai, mas conservaram o afeto, pela partilha de uma linguagem sensível, poética, instigante”, conclui Pilar.  


Além de honrar a memória do seu pai, grande incentivador da sua escrita, o livro tem como missão poder abraçar quem fica. “Especialmente num luto coletivo como este que vivemos, acredito que este abraço, que eu busco com o livro, não se estende apenas aos que perderam alguém. Mas a todos nós”, aponta Tatiana. “Também é um livro sobre pessoas que não cabem, pessoas que transbordam. As duas experiências se confundem. Perder alguém também é não caber.”


Ficcionalização da memória ou autoficção?


O desejo de criar uma personagem inspirada em seu próprio pai existe desde antes de Tatiana perdê-lo. “Trata-se de uma obra de ficção, com muitas memórias: emprestadas, ressignificadas e, sobretudo, ficcionalizadas”, frisa a autora. “Não há nenhum compromisso de registro biográfico ou histórico. O pai da história é um personagem ficcional - embora seja inspirado e criado à memória de meu próprio pai - por isso, é um homem com suas próprias nuances, memórias e escolhas.” 


Para Tatiana, é preciso não somente ler mais mulheres, mas também aprender a ler mulheres, sem reduzi-las à autobiografia. “É preciso entender que as mulheres são capazes sim de criar personagens e enredos ficcionais, que não estamos falando sempre sobre nós mesmas. Essa licença poética, concedida de forma mais fluida e orgânica aos homens escritores, precisa fazer parte do repertório de leitores de mulheres”, crava.


Entre Elena Ferrante, Rosa Montero e Conceição Evaristo


Gabriel García Márquez e seu realismo fantástico, escritoras contemporâneas como Conceição Evaristo, Rosa Montero e Elena Ferrante estão entre as principais influências literárias de Tatiana Lazzarotto, que é natural de São Lourenço do Oeste (SC) e radicada em São Paulo desde 2011. Quando as árvores morrem bebeu de muitos outros nomes da literatura contemporânea, entre eles, Ana Martins Marques e José Luís Peixoto.


“A vontade de contar histórias veio da infância, dentro de casa: meu pai, que na época era viajante, e minha mãe, uma pernambucana radicada em Santa Catarina, me rechearam de causos, o que me deu consciência desde cedo de que havia outros mundos. Essas são minhas memórias mais antigas e ainda hoje elas atravessam qualquer coisa que eu escreva”, conta.


Formada em Jornalismo e em Letras-Português pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro-PR), Tatiana atualmente é mestranda em Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo (USP), onde estuda coletivos de mulheres escritoras. É uma das organizadoras do livro Cartas de uma pandemia: testemunhos de um ano de quarentena (Editora Claraboia, 2021) e integra o Clube da Escrita para Mulheres, fundado pela escritora, poeta e cordelista cearense Jarid Arraes. Publicou em revistas literárias como: gueto, cassandra, Ruído Manifesto e Desvario.


Confira um trecho de “Quando as árvores morrem”:


“Arrancam meu pai da memória, matam-no novamente pela linguagem e depositam-no em um lugar onde nós, sua família, não podemos acessá-lo. Não conseguimos lutar, uma vez que também nos esquecemos de quem somos. Parte de nossas raízes foi puxada com força, o que nos obriga a sobreviver abambalhados com o restante. Perder um pai é morrer planta, sem um pedaço debaixo da terra. Não falta luz do sol, água, adubo. Falta pai.” (p. 17)


SERVIÇO

Lançamento do livro “Quando as árvores morrem”, de Tatiana Lazzarotto

Quando: 9 de abril

Onde: no jardim da Casa das Rosas (Av. Paulista, 37 - Bela Vista, São Paulo - SP)

Horário: das 15h às 17h

Evento gratuito




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