Claraboia lança segunda edição de “Mãe ou Eu também não gozei”, da Letícia Bassit

agosto 14, 2022

A Claraboia — editora independente de escritoras mulheres — lança, em agosto, a segunda edição do livro “Mãe ou Eu também não gozei”, da atriz, performer e escritora paulistana Letícia Bassit. Trata-se de um relato pungente e político — e, ao mesmo tempo, vulnerável e revolucionário — de uma mulher que gesta e pare sem romantismos e idealizações. Além do prefácio da atriz, diretora e pesquisadora Janaina Leite, a nova edição traz texto inédito do psicanalista, professor e pesquisador Pedro Ambra, citação elogiosa da escritora Aline Bei na quarta capa, e uma nova apresentação assinada por Letícia.


Com uma narrativa fragmentada e não linear, "Mãe ou Eu também não gozei" é um percurso de uma mãe solo e sua gravidez não planejada com quatro possibilidades de paternidade. Se o corpo materno não pertence mais ao tempo, como a narradora afirma, situa-se na encruzilhada: nascer e morrer; gozar e não gozar; ter ou não a possibilidade de recusar um filho. A obra transita entre a poesia e a prosa poética, entre o fluxo de consciência e os diálogos, revelando a espera de uma criança por uma mãe solo. 


Em paralelo à obra, um documentário chamado “Eu também não gozei”, dirigido por Ana Carolina Marinho, que acompanhou a gestação de Letícia em 2017, está em fase de finalização e tem previsão de estreia no começo de 2023


O filme se encontra dentro de uma campanha de impacto que objetiva despertar a indignação sobre a naturalização do abandono paterno; estimular o reconhecimento espontâneo de paternidade; engajar e apoiar mulheres nos processos de investigação de paternidade; provocar a mudança da legislação brasileira sobre o tema; e afirmar os direitos das mulheres à autonomia sexual e reprodutiva. Entre as outras ações está previsto o lançamento do site "Mátria", que irá hospedar conteúdos do projeto.

 

Dados do Cartórios de Registro Civil do Brasil apontam que, nos quase dois anos completos de pandemia, mais de 320 mil crianças foram registradas somente com o nome da mãe na certidão de nascimento. O número, que representa 6% dos recém-nascidos brasileiros, ganha ainda mais relevância quando os últimos dois anos apontaram a menor quantidade de nascimentos no país. Além disso, os reconhecimentos de paternidade caíram mais de 30% quando comparados a 2019, último ano antes da chegada da Covid-19. Em 2022, já são mais de 29 mil crianças sem o nome do pai no registro de nascimento.

 

O que representa uma mulher engravidar e não saber quem é o pai do próprio filho?


Letícia se descobriu grávida e mãe solo em 2017. Ela engravidou após ter tido relações com quatro homens diferentes. Os homens com quem ela se relacionou tiveram o direito de escolher fazer ou não um teste de DNA. Dois realizaram o teste que deu negativo. Os outros dois homens sumiram, desapareceram, depois de dizerem que em um filho eles não têm interesse. Portanto, seu filho, Pedro, continua sem ter o registro de paternidade na sua certidão de nascimento.


A maternidade solo foi uma surpresa, um susto, um espanto e um trauma. “Enquanto grávida, comecei a escrever meus sonhos, meus medos e meus anseios. Comecei a sentir uma vontade de compartilhar esses escritos com o público”, conta a autora. Letícia expôs sua experiência pessoal para tornar discurso político e voz coletiva o que era palavra e intimidade. “É a minha experiência real, nua e crua, de um corpo político, transformada em performance e em livro. Mas a obra extrapola e transborda a realidade por meio da moldura simbólica da autoficção. Foi um vômito, uma forma de expurgar essa dor, criando fronteira e fazendo borda a uma experiência não palpável. Quando a moldura se fez, aí então, a obra atingiu dimensões sociais, políticas. O pessoal é político ”


Entre os temas abordados no livro, estão a solidão, o medo e o exílio da mulher que vira mãe, a perda dos espaços públicos, a desromantização da maternidade, além de todas as suas cores e sombras, belezas e contradições. “Também é um livro sobre desejo, gozar e não gozar, sobre a consciência de ser um corpo que reproduz dentro desse sistema capitalista e patriarcal que faz desses corpos mão de obra barata para que o sistema permaneça. É uma narrativa sobre a experiência humana narrada por uma mãe completamente sozinha.”


"Contos d'escárnio: textos grotescos", da Hilda Hilst, influenciou diretamente o livro de Letícia em relação ao formato, por brincar com múltiplas formas literárias. "Fiquei com uma sensação de liberdade de escrita, uma anarquia na possibilidade de escrever. Meu livro foi indo nessa direção. Para expressar a dor que eu estava sentindo, o trauma, que é uma fragmentação do corpo, eu precisava me expressar de uma forma anárquica e fragmentada também”, justifica.


A escrita de Letícia se dá através do corpo físico. “Eu preciso estar em estado de paixão e apaixonamento pela vida para escrever. A paixão possibilita o estranhamento da realidade das coisas, gera deslocamento, turbulência, fricções internas no corpo, esvaziamento, sensação de excesso e vazio. Essa ambiguidade, ambivalência, contradição — a dor e prazer que é estar apaixonada pela vida — é o que me faz escrever. A paixão é violenta, assim como a vida. Escrevo enquanto eu vivo, inserida no cotidiano. É uma escrita constante, em pensamento e sensação, não só quando estou com papel e caneta na mão”


Na nova apresentação da obra, Letícia frisa que precisava mais do que escrever bem: precisava berrar. “Berrei tão alto que outras tantas mulheres ouviram meu berro. Homens também. Mães, pais, filhas e filhos. E, então, pude perceber a força da palavra. Palavra que é interpretada por outros corpos que criam sentido a partir das palavras que escrevi. Palavra viva. A arte se faz no entre. Há um pacto entre nós”, escreve.


Atualmente, Letícia Bassit escreve seu segundo livro, chamado "Cabra que lambe sal", continuando com as mesmas temáticas, mas por meio de outro prisma sobre o corpo de uma mulher que deseja e goza.


Sobre Letícia Bassit


Letícia Bassit é atriz-performer, escritora-dramaturga, diretora e arte-educadora. Mãe do Pedro e da Luna. Nascida na cidade de São Paulo, começou a estudar teatro aos catorze anos e, desde então, nunca interrompeu a pesquisa sobre o corpo e os limites entre realidade/ficção, verdade/mentira, ilusão/invenção. 


É formada pela Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e graduada em Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero. Atualmente é mestranda em Artes Cênicas - ECA/USP. Trabalha em colaboração com diversos artistas e suas criações atravessam o teatro, a dança, a música, a performance e a literatura. 


Desenvolve oficinas de escrita, teatro e performance com foco no trabalho do corpo, da voz, gesto, palavra e ação. Letícia também produz uma série de ações artísticas performativas e político-sociais relacionadas ao feminismo e parentalidade através da plataforma Mátria.




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