INVENTANDO ANNA E O GOLPISTA DO TINDER - UMA ANÁLISE DO GOLPE

maio 07, 2022

Cai no golpe quem quer

Provavelmente foi o que passou pela sua cabeça ao assistir o documentário “O golpista do Tinder” não foi? Mas acredite, os mecanismos neurofisiológicos da paixão/amor podem prejudicar seriamente nossa capacidade de julgamento e de percepção da realidade. Junte à equação um psicopata que, por natureza, é especialista em explorar esses mecanismos. Então temos a receita perfeita para um coração partido...e uma conta bancária zerada.

Neurofisiologia por trás do golpe

O núcleo accumbens é uma das primeiras regiões no cérebro a ser ativada quando nos apaixonamos. Ele é a estrutura principal do circuito de recompensa, uma área no cérebro que “marca” certas situações como sexo, comida, consumo e conquistas pessoais com a liberação de dopamina, um dos principais neurotransmissores responsáveis pela sensação de satisfação e busca pelo prazer.

Em geral, nos 6 primeiros meses de relacionamento, há uma descarga maior de dopamina neste núcleo, o que intensifica a sensação de prazer (e busca por mais prazer).  A hiperativação desse núcleo altera o funcionamento do córtex pré-frontal, que é a área cerebral responsável pelo controle dos impulsos, tomada de decisões e pensamento crítico, produzindo um comportamento parecido com o de alguém que sofre de dependência química.

Mas não é só, há outros mecanismos que contribuem para alteração da capacidade de julgamento e raciocínio de uma pessoa apaixonada. Por exemplo, a liberação de ocitocina, produzida pelo hipotálamo e secretada pela neuro-hipófise, provoca aquele sentimento de vínculo, segurança e confiança que costuma vir à medida que um relacionamento se aprofunda.

Aspectos comportamentais de um golpista

Isso tudo, por si só, já deixaria a pessoa mais inteligente e esperta em uma situação de vulnerabilidade psicológica. Juntamos à equação, um vigarista ou psicopata que sabe exatamente como criar ou tirar proveito de vulnerabilidades já existentes.

Todos temos necessidade de reconhecimento, pertencimento e amor. Mas algumas pessoas, por terem também uma inclinação a vivenciar intensos sentimentos de vazio existencial, inferioridade ou dificuldade em ficarem sozinhas acabam se apaixonando com mais facilidade e tendo mais resistência em sair de relacionamentos abusivos. 

Esses e outros traços como a impulsividade e a tendência à idealização são facilmente rastreados pelos golpistas que se utilizam de, pelo menos, duas distorções cognitivas que todos podemos cometer:

A Abstração Seletiva faz com que um aspecto de uma situação complexa seja supervalorizado em detrimento de todo o resto. Ao se fazerem presentes, darem atenção, se esforçarem por formarem vínculo afetivo e mostrarem um padrão de vida impressionante, os golpistas fazem com que as vítimas foque nesses aspectos e acabam ignorando outras pistas mais sutis de que se trata de uma armadilha.

O fenômeno da Hipergeneralização nos leva à crença subconsciente de que o melhor preditor de um comportamento futuro é um comportamento passado. O golpista exibe um repertório comportamental que satisfaz as necessidades afetivas da vítima, que passa a nutrir expectativa de que esse padrão se perpetue. Dessa forma, quando as evidências de que se trata de um golpe ficam mais claras, a vítima tende a encontrar justificativas racionais para se recusar a enxergar os fatos, ou mesmo se culpabilizar acreditando estar sendo excessivamente desconfiada.

E como evitar cair em um golpe?

Como não acreditar em alguém que te pega para jantar em outro país e te traz de volta em um jato particular? É quase impossível não cair em um golpe tão elaborado, foi praticamente inevitável. Felizmente golpes com esse nível de complexidade são extremamente raros. Mas existem sim alguns sinais de alerta:

Se o relacionamento está indo rápido demais

 

A maioria dos golpistas fazem de tudo para criar um laço emocional mais rápido que o comum, na tentativa de proporcionar uma sensação de segurança e exclusividade às vítimas. Um “eu te amo” que vem de forma muito precoce é um sinal de alerta.

 

Investigando a veracidade das fotos e vídeos do perfil

 

Será que as fotos e vídeos que o seu pretendente te envia são de fato dele?

Em geral os golpistas pedem fotos e vídeos da internet, seja ela por buscas no Google ou de alguma rede social que ele tenha, afirmando serem dele mesmo. Procure por padrões nessas mídias e confirme se realmente é ele quem está ali, tente fazer uma chamada de vídeo dentro do próprio app de relacionamento, ou através de plataformas como WhatsApp.

 

Cuidado com as informações pessoais

 

Às vezes as suas informações pessoais podem ser mais valiosas do que o próprio dinheiro enviado ao golpista. Deixe o mínimo de informações pessoais disponíveis em suas redes sociais e principalmente nos aplicativos de relacionamento.

 

Relacionamento exclusivamente online

 

Pessoas que se negam a se encontrar, ou exprimem desculpas para evitar encontros presenciais, podem indicar que aquela pessoa não quer ser vista e/ou identificada. Mas se  alguém tentar insistentemente se encontrar com você de forma presencial, sem ter tido muito contato, pode ser também um mal sinal. O ideal é equilibrar a vontade de se encontrar entre ambos os lados.

 

Desconhecido pedindo dinheiro

 

E o sinal óbvio: sempre desconfie de uma pessoa que você não conhece (ou mal conhece) pedindo dinheiro seja lá como for, em forma de transferências, compra de passagens, presentes ou qualquer coisa que incorra em desembolso de dinheiro. Independente do motivo que for dito, fique atento(a) a quem te pede dinheiro online.

OBS:

É importante lembrar que não existe uma “cura” para um golpista. Trata-se de uma estrutura de personalidade, é o modo que aquela pessoa opera no mundo e isso raramente pode ser alterado. No Brasil, a prática de violência psicológica é crime previsto em lei desde agosto de 2021. A vítima precisa, além de reconhecer que é uma vítima, apresentar provas e passar por uma análise psicológica.

* Thiago Cantisano
Neuropsicólogo especialista em ansiedade,            depressão, estresse e relacionamentos. Trabalha                  no atendimento para os 60+ da Casa São Luiz, ILPI - Instituição de Longa Permanência de Idosos.

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